quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Opinião – Os Versículos Satânicos
Titulo: Os Versículos Satânicos
Autor: Salman Rushdie
Titulo Original: The Satanic Verses
Ano de Publicação Original: 1988
Editora: Círculo de Leitores
Ano: 1989
Tradução: Ana Luisa Faria e Miguel Serras Pereira
Páginas: 493
ISBN: 9722007467
Sinopse: Antes de nascer o dia, numa manhã de Inverno, um avião Jumbo é assaltado e explode por cima do canal da Mancha. No meio de escombros, por entre carros de bebidas, cobertores e máscaras de oxigénio, duas figuras caem na direcção do mar sem auxílio de pára-quedas: Gibreel Farishta, o lendário actor de cinema indiano, e Saladin Chamcha, o homem das mil vozes e anglófilo convicto. Agarrados um ao outro, cantando canções rivais, acabam por ser arrastados para a costa, e chegam vivos a uma praia inglesa de areias cobertas pela neve. Um milagre, mas ambíguo, porque em breve se nota neles sinais de curiosas transformações. Gibreel parece ter adquirido um halo, enquanto a Saladin crescem-lhe pêlos nas pernas, os seus pés transformam-se em cascos e nas suas têmporas começam a aparecer duas saliências.
Assim se inicia os Versículos Satânicos (1988), de Salman Rushdie.
Gibreel e Saladin foram escolhidos (por quem?) como protagonistas da eterna luta entre o Bem e o Mal. Mas quem é quem? Poderão os demónios ser angelicais? Poderão os anjos ser demónios disfarçados? Neste livro fascinante onde o passado e o presente se perseguem furiosamente, Salman Rushdie conduz-nos através de uma jornada épica, de uma jornada de lágrimas e riso, de histórias maravilhosas em voos delirantes de imaginação, a uma viagem para o bem e para o mal que permanecem indissociados nos corações dos homens e das mulheres.
Opinião: Recentemente no seguimento de um post que coloquei aqui no blogue com uma sugestão de leitura do livro Joseph Anton de Salmon Rushdie, recordei toda a polémica e sentenças de morte geradas pela publicação deste livro, assim como o facto de o ter adquirido na altura e o mesmo ter acabado esquecido algures numa prateleira. Resolvi pegar-lhe agora.
Pessoalmente, acredito que existe a altura certa para ler um livro, e no caso deste embora não tenha a certeza que essa altura foi agora, posso seguramente afirmar que não o teria sido na altura em que o adquiri. Tenho hoje consciência que a minha juventude e relativa imaturidade na época não me teriam permitido apreciar este livro, provavelmente nem teria acabado de o ler.
Este não é um livro particularmente difícil de ler, até porque a escrita do autor é relativamente acessível, mas pelo menos para mim foi um livro de leitura lenta. Não foi fácil entrar na história, familiarizar-me com as personagens, apanhar o duplo sentido ou as criticas implícitas em algumas partes. Sei que grande parte disso se deve aos meus fracos conhecimentos da religião muçulmana, falha que no decorrer da leitura fui tentando atenuar recorrendo para isso a pesquisas na Internet mas sem resultados muito significativos. Como podem calcular, não se conhece uma religião em tão pouco tempo. Se juntarmos a isto as cerca de 500 páginas do livro, que na realidade equivalem a mais umas quantas pela forma como está escrito, percebem por certo que esta não é uma leitura rápida, pelo contrário, é uma leitura que exige alguma disponibilidade e memória para imensas personagens largadas e retomadas ao longo da narrativa.
Tenho consciência de que uma boa parte das críticas religiosas que tanto ofenderam os muçulmanos na época devem ter-me passado ao lado, simplesmente porque não tenho os conhecimentos religiosos necessários para as identificar. De qualquer forma, mesmo não tendo eu qualquer religião, este é um tema que opto por não comentar, principalmente porque sinto que não tenho conhecimentos para tal.
O enredo do livro é no fundo um conjunto de várias histórias com inúmeras personagens, que se interligam e por vezes se cruzam, rodando todas elas essencialmente à volta dos personagens principais, Saladin e Gibreel. Estes são, como indicado na sinopse, dois indianos, com personalidades muito diferentes, que sobrevivem à explosão e queda de um avião sequestrado por terroristas. O extraordinário da situação não fica por aqui, uma vez que um deles vai-se transformando em anjo e o outro em demónio. A questão principal, que é colocada ao longo de todo o livro, é se será Saladin realmente a encarnação do mal e Gibreel a encarnação do bem? Ou apenas seres humanos com os seus defeitos e qualidades, nem totalmente maus nem completamente bons, apenas reagindo à sua maneira às circunstancias com que se deparam? Juntamente com esta questão, muitos mais temas são debatidos neste livro como a já mencionada religião, o racismo, as nossas raízes, o perdão, etc..
Gostei muito desta visão da Índia e dos indianos dada por um autor indiano de nascimento, embora o facto de este não se dirigir a não conhecedores desta cultura e religião, e as poucas notas do tradutor sobre os temas menos comuns, não nos facilitem muito a leitura.
Um dos fatores que mais peso tem na minha avaliação de um livro é o final, a capacidade do autor em nos presentear com um final credível e preferencialmente pouco previsível. Não pensem com isto que só gosto de finais felizes, não é o caso, gosto é de finais à altura. Quantos de vocês não leram já livros que até estavam a gostar mas o final estragou tudo?
No caso deste livro o ultimo capítulo é excelente, brinda-nos com uma descrição dura e sem “paninhos quentes” da doença e da morte, que no entanto ao mesmo tempo que nos repugna, consegue também tocar-nos fundo, criar uma empatia imediata. O destino final dos personagens é também excelente (reparem que disse excelente, não feliz) e na minha opinião cumpre todos os requisitos que mencionei, encerrando muito bem a história. Em resumo gostei bastante desta leitura.
Termino deixando-vos dois excertos do livro com duas questões muito interessantes, sendo que uma delas é colocada a várias personagens ao longo do livro.
"Toda a ideia nova, Mahound, deve responder a duas perguntas. A primeira é-lhe feita enquanto ela é fraca: Que tipo de ideia és? És dessas ideias que aceitam compromissos, fazem acordos, se acomodam à sociedade, procuram encontrar um nicho, sobreviver; ou és dessas outras, dessas ideias malditas, teimosas, inflexíveis, que preferem parvamente deixar-se quebrar, a oscilar ao sabor da brisa? - Esse tipo de ideia que quase fatalmente, noventa e nove vezes em cada cem, acaba destruída aniquilada; mas da centésima vez transforma o mundo.
«Qual é a segunda pergunta?» perguntou Gibreel, em voz alta.
Responde primeiro à primeira, " (pág. 310)
"Já sabemos qual foi a resposta. E agora Mahound, que voltas a Jahilia, é tempo de fazer a segunda pergunta: Como é que te comportas quando vences? Quando tens os inimigos à tua mercê e o teu poder é absoluto: o que fazes então?" (pág. 340)
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