quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cantinho do Poeta

Esta é mais uma rubrica sugerida por alguns dos participantes no passatempo de Fim de Ano. Gostavam que houvesse no blogue espaço para a poesia. Se por um lado achei uma excelente sugestão por outro não me sinto capacitada para opinar sobre poesia, primeiro porque não a leio com a frequência que devia e segundo porque acho a poesia algo de muito pessoal, ou seja os poemas que me dizem algo a mim não são necessariamente aqueles que vos dirão algo a vocês. Por isso a ideia é criar aqui um espaço de divulgação de poetas, deixando-vos um poema semanalmente. E quando digo poetas não falo apenas dos consagrados, embora os vá naturalmente incluir, mas também dos com livros editados mas ainda pouco divulgados ou até mesmo daqueles entre vocês que têm meia dúzia de poemas na gaveta que queiram mostrar...

Portanto se é o vosso caso é só enviarem os vossos poemas para nefertari.livros@gmail.com que terei muito prazer em divulgá-los.

Hoje vou começar com aquele que para mim é o maior dos poetas portugueses (mas não se deixem intimidar por ele :)), Fernando Pessoa, no seu heterónimo Álvaro de Campos. Não sendo um dos poemas que mais gosto, é um poema que hoje achei particularmente apropriado...


Poema em Linha Recta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenha calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenha agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe . todos eles príncipes na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que, contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ò príncipes, meus irmãos,
Arre estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos . mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos

4 comentários:

  1. Muito obrigado pela introdução no Blogue desta nova rubrica. Bem-haja, em meu nome e da Poesia.
    Arnaldo Santos

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    Respostas
    1. De nada Arnaldo, faço-o com o muito gosto por acreditar que há seguidores que apreciam poesia, alguns poetas imerecidamente pouco divulgados e outros escondidos por aí...

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  2. Também fiquei feliz por ver aqui este espaço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ainda bem Vítor, espero que tenha interesse para muitos seguidores, e já agora alguma adesão no envio de poemas...

      Eliminar

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